segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Masturbações e goteiras

A água entra pela janela enquanto inicio uma descarada masturbação. O céu hoje está em tons de cinza. Iansã e Oxum parecem estar dando uma festa. Raios, trovões e uma chuva grossa com poucos ventos clareiam meu quarto me fazendo pensar em desligar o computador. O MSN deu pau. Agora ele escolhe quando e com quem eu posso falar. Triste fim.
O rolo terminou comigo. Foi legal o tempo que passamos juntos. Foi engraçado ele me falando que não dava mais. Suas mãos tremiam. A fala era apressada e nervosa. Seus olhos desviavam dos meus a qualquer custo, como baratas voadoras ao sentirem a iminente presença do Detefom. As explicações foram tantas para tão poucas que bastavam. A única coisa que me vinha à mente era fumar um cigarro, nada mais que um cigarro.
A masturbação, assim que o rolo foi embora, foi bem bacana. Me sujei todo de porra. O quarto estava com um cheiro de cigarros e esperma. Não sei por qual motivo, mas adoro me masturbar quando termino relacionamentos. Devo ser um pouco masoquista, ou sádico. Gosto de sentir prazer pensando em qualquer coisa que me deixe mal, se bem que nem fiquei tão mal assim.
Mas a festa lá em cima estava bem animada. Os raios, cada vez mais próximos, me fizeram desligar o computador e improvisar uma longa e engraçada visita a Diogo. Cozinhei pra ele. Miojo e frango empanado da batavo. Um pouco de queijo ralado e maionese deixou nosso super prato com odor de sexo. Novamente fiquei excitado e assim que acabamos de jantar voltei ao meu quarto e iniciei uma nova masturbação. Diogo deve está se masturbando na sala. Disse que não era pra incomodá-lo.
Iansã parece ter ficado embriagada lá em cima. Os raios quase já não existem mais. Oxum deve estar a cuidar da irmã bêbada. A chuva quase deixa de cair. Agora é a hora de eu começar a minha festa. Teremos cervejas, raios, cigarros, trovões, sexos e goteiras.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Oi (,) Prazer


Puxei os teus cabelos com força deixando os fios encaracolados deslizarem por entre meus dedos. Minhas mãos te apalpavam numa inexperiente tentativa de conhecer cada centímetro do teu corpo desconhecido a pouco mais de 20minutos. A minha língua, quase seca, percorria o teu pescoço, nuca e orelhas enquanto olhava teus olhos cerrados de prazer sentindo meu corpo junto ao teu. Minha boca encontrava a tua boca numa sincronia perfeita de um único beijo que durou quase toda a noite. Não tínhamos muito o que conversar. Não nos conhecíamos e nem parecíamos muito interessados nisso naquele instante. Os teus suspiros quentes quase que falados embaçavam minha orelha e só me faziam esfregar ainda mais o meu sexo em teu corpo. As roupas jogadas de canto revelavam dois corpos nus, excitados, loucos por alguns minutos de prazer. O suor molhava teu corpo e te dava um gosto salgado de sexo. Minha barba roçava o teu corpo enquanto apertava com uma das mãos o lençol azul daquela cama larga. Com a outra mão iniciava uma tímida e descontrolada masturbação que me arrancava gemidos desinibidos. Nossos corpos, entregues ao prazer do contato, mudavam sempre de posição numa tentativa frustrada de fazerem parte de um mesmo espaço. Olhar teu rosto de prazer ao se sentar em meu sexo me provocava pequenas e rápidas tonturas. Apalpava o teu corpo, agora um pouco mais conhecido, enquanto trazia tua boca de volta à minha. Nossas bocas pareciam não acompanhar a nossa vontade de ter um ao outro. Pensava nos vizinhos acompanhando os sons de nosso coito. Esquecia os vizinhos. Olhava novamente o teu rosto de prazer numa relação quase sádica estabelecida entre nossos corpos, entre os nossos sexos. A cada movimento teu, meu prazer aumentava em proporções até então desconhecidas naquela noite. Meu corpo se preparava para te molhar com meu prazer quando decidias parar tudo e voltar apenas a me beijar. Uma, duas, três tentativas bem sucedidas até que nossos suspiros de prazer se confundiram num mesmo gemido abafado que te jogou sob o meu corpo molhado, sujo e quente. Nossos olhos tentavam conhecer um ao outro. Sorrisos sem graça sorriam cada vez mais. Abracei teu corpo. Nos conhecemos de fato. Um cigarro na janela do quarto. Um banho frio pra tirar o cheiro de suor e porra. Um novo abraço e a expectativa para, quem sabe na noite seguinte, transarmos pela primeira vez.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quase uma semana

Um sorriso de canto. Um aperto de mão. Qualquer coisa parece muito quando não se tem mais nada que já foi seu em um passado tão recente. Planos de uma semana pareciam ser os mais bonitos e confortantes. Planos pra velhice... Meu Deus! Quanta bobagem pra tão pouco tempo. Confesso que foi engraçado. Brincadeira de criança. Beijo no olho, nariz, boca... Tens um sexo muito bom. Me excita lembrar. Uma piscadela de olho aqui, um beijo tímido à distância. Vontade de teu cabelo pra enrolar, puxar, brincar, massagear. A insônia vai bater forte. A água do chuveiro estará ainda mais fria. Los Hermanos é bacana, conforta. Gosto de ser racional. Estou numa felicidade só! Estou sorrindo de mais. Bebendo de mais. Dançando de mais. Lari, preciso tanto de você. A ausência do cigarro não mais existirá, aliás... [pausa pra acender um cigarro] como é bom fumar. Preciso de muitos cinzeiros.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

(In)Decisões

Cada passo dado, cada espaço conquistado, cada bandeira fincada demarcam o território onde se pode pisar sem medo de algo ruim acontecer. Durante muito tempo fiquei sem saber como conquistar meus territórios. Os vários passos iniciais eram por pura sorte. Atirar no escuro. Nada era realmente meu até chegar ao “todo” sem grandes ferimentos. Só se tem uma chance. Se errar, bombas estouram em seus pés sem levar em consideração tudo que se viveu até ali.
Cada esquina de dois, três, e até seis lados são opções e decisões perigosas para, às vezes, se decidir por sorte. Em alguns momentos a razão já não tem nenhuma importância, mesmo tendo-a usado até então. Esperar por uma dica de outrem não resolve o problema. Você é o especialista no jogo de casas marcadas. A decisão sempre é sua e se tem que arcar com as consequências. Cada decisão é única e não tem volta. As vezes o próprio jogo nos dá dicas. Opções para seguir em frente ou estaguinar, assim como plantas podadas com palmos de altura. Acaba ali.
O tempo corre. Não sei, até hoje, se existe um limite ou se ele é infinito. Se existe apenas por existir ou se tem uma função real. Não tento pensar no tempo gasto para tomar minhas decisões, mesmo quando tem que ser por pura sorte. Pensar, analisar, pensar novamente me congela em diversos momentos. Prefiro assim, pensar antes de agir, para quando tomar minha decisão saber exatamente o que quero e o que tenho que fazer. Tudo milimetricamente planejado até chegar a hora de, outra vez, agir por instinto, sem medo e dando, de fato, a cara a tapa.
Depender unicamente de si pode soar como prepotência, mas não acredito em inimigos. Nenhum deles existe e nenhum pode nos fazer mais mal que nós mesmos. Tomar cuidado com o que pensa, mesmo parecendo ser a mais perfeita estratégia, é a melhor das dicas. Mas a decisão é sempre sua. Vencer ou perder, viver ou morrer. O “BUMM!” pode acontecer a qualquer momento, mas mesmo depois de derrotado ainda existe uma escolha: “Sair” ou “Iniciar um novo Jogo”.  Sempre fico com a segunda opção. Sou realmente viciado em “Campo minado”.

Quando a hora da volta se faz eterna

Três dias e meio de tensão. As atividades obrigatórias e conversas paralelas já não eram cumpridas nem tentadoras. O fluxo de pensamentos me levava a cavernas escuras e molhadas. O ar era pesado e cheirava a morfo. Me entupia as narinas. O sangue não chegava às extremidades de meu corpo e encharcava apenas meus órgãos vitais.
A tua falta de resposta à minha pergunta perturbadora e inesperada me retirava deste tempo. Era como uma camisa de força frouxa que me prendia em seu tecido branco com bolinhas azuis. Não sabia o que fazia com meus braços. Eu já não tinha mais a tua mão para atravessar a rua. Meu corpo, a boiar numa piscina de plático, não via espaço para braçadas desesperadas em busca de um canto seco com gosto de areia.
A hora marcada para a conversa naquele primeiro bar de uma história se aproximava. Um ônibus errado e uma carona de um antigo amigo me levaram ao local marcado. Teus quarenta minutos de atraso e os cigarros fumados que enchiam o cinzeiro apertavam meus pulmões e contraiam meus músculos contra meus ossos. Era como se minha carne se rasgasse como tecido velho. Sentia minhocas perfurando minhas veias como em terra molhada.
Achei que aquela seria tua resposta. A tua não presença me deixava triste, mas ainda tinha algum dinheiro para pagar mais algumas cervejas e eu estava disposto a te esperar até aquele bar se fechar. Pensava em tudo que tínhamos vivido e como te fiz sofrer ao negar a minha presença ao teu lado. Ouvia o vento chaqualhar as folhas da mangueira e descompassadas gotas anunciando uma chuva próxima. Solidão.
O telefone a tocar indicava a tua chegada. Teu rosto sorridente e tenso me fazia misturar meu alívio e apreensão numa sensação que desconhecia e difícil de ser explicada. Mas estava feliz por estar ali contigo.
A falta de diálogos inesperados me descontrolava e já pensava em te dizer como parafusos são engraçados e interessantes quando olhamos atentos para eles. O teu início de resposta me pedia para explicar o que nem eu entendia direito. Minha boca pronunciava palavras sem filtro, cheias de verdades, algumas descobertas naquele momento.
Os segundos de espera pareciam longas horas gastas em um livro chato de final feliz. Um "eu te amo" foi o bastante para segurar em tua mão e perceber teus olhos que sopravam dúvidas confiantes num recomeço de um tempo sem fim.
Eu sorria descontroladamente por uma pequena abertura de lábios. Era como se as flores penduradas no varal desabrochassem para os raios de sol escondidos por densas nuvens mal cheirosas. Percebia, naquele momento, que te amava de uma forma que não acreditava que fosse possivel. Fazer, novamente, parte de tua vida após suicídios em outros corpos era confortante. Te desejava como há muito tempo e queria te ter ainda naquela noite. Deitei em tua cama e acordei com teu sorriso.

A bela morena vulgar

Uma semana santa. Começou de forma modesta e controlada, algumas três cervejas quentes para três amigos sedentos por álcool e curtição. Frustração. Velhas caras novas pela cidade, mas nada que chamasse a atenção de um novo solteiro à procura de algo “diferente pra fazer”. A conta dos cigarros fumados já não era mais feita e a apreensão produzia uma saliva fétida em minha boca ao misturar cerveja quente, cigarro e batata frita. A conversa também não era das melhores. A volta pra casa parecia ser a única solução.
A sexta, um pouco mais divertida e muito menos santa, foi marcada por um dia inteiro em frente ao computador. Horas intermináveis no MSN que foram salvas pelo Tribal Wars, um RPG que tem deixado minhas férias da faculdade menos monótonas. Não posso esquecer, claro, das três masturbações que me tornaram um homem menos tenso.
O fim da tarde chegava. A procissão da igreja católica que seguia pelas ruas da cidade já tinha abençoado os incrédulos. Era então a hora de procurar algo bacana pra fazer. Fui salvo pelo celular de minha irmã que anunciava um convite de um amigo para comparecer-mos a um barzinho. Beleza!
A cerveja novamente quente, não incomodava tanto como no dia anterior. Tínhamos uma bela morena á mesa e ela estava me “dando mole”. Tirei a sorte grande, pensei. Ela tinha um rosto bonito e olhos que lembravam olhos de índios, um nariz fino e uma boca tentadora. Usava um vestido colorido que lembrava fitas do Bonfim e um brinco de penas na orelha direita. Ela parecia uma garota bacana. Preocupava-me o fato das três masturbações daquele dia diminuir meu rendimento ao transar com aquela morena, mas fiquei tranqüilo, deixei rolar.
Minutos depois, a tímida morena já me flertava descaradamente e algumas vezes chegava a ser vulgar. Não gosto de mulheres vulgares, elas quebram a empolgação toda vez que abrem a boca pra falar besteiras. O primeiro beijo aconteceu quando estávamos no terceiro bar daquela noite. O beijo dela era bom, supriu todas as minhas expectativas e até me fez esquecer as besteiras ditas por ela anteriormente. Não tinha jeito, a cerveja continuava quente. Durou pouco e em minutos a bela morena levantou de sua cadeira pra dançar um “pagodão” que tocava no fundo aberto de um carro. Vergonha. Meu cigarro tinha acabado e aquela triste cena era um convite a levantar-me da cadeira e comprar mais cigarro. A garota estava bêbada e isso não combinava com seu jeito descontrolado de ser. Que meleca!
De volta à mesa encontrei-a sentada e com a cara fechada. Segundo ela eu não estava lhe dando atenção. Dei-lhe um sorriso com todo sarcasmo que cabe num sorriso e beijei-a novamente. Eu tinha mesmo gostado de seu beijo e como não tinha nada melhor para aquela noite continuei com ela.
A bela morena trocou a cerveja pela coca-cola e logo estaria sendo carregada para casa por seus pais. Um pouco frustrado por não ter transado com ela, mas tranqüilo por saber que ela ficaria tranqüila, eu também. Marcamos um novo encontro no dia seguinte á noite. Teria uma festa de forró num clube da cidade, foi o local escolhido para o encontro.
Cansei de falar nisso. Deu preguiça. Se a vontade de falar na bela morena vulgar voltar, termino o texto depois.

A preguiça é circunstancial

A falta do que fazer é algo, realmente, muito chato. Os dias parecem nunca acabar, ainda mais quando se é acordado às oito horas da madrugada com gritos e portas batendo por toda a casa. Fico a pensar, ainda deitado, por que diabos meus pais não entendem que oito horas da manhã é hora de se estar dormindo? Mas desisti de convencê-los disso. Sempre saio como o preguiçoso da família. Aquele que nunca vai crescer na vida por excesso de preguiça. Dá pra acreditar?
No último mês descobri um inferno de um jogo que me viciou e que só me deixa dormir depois das 00:30h, no mínimo. Eu tento deixar aquele vício, mas o vício é mais forte que eu e então me dou por vencido. Desligo o computador depois de tantas tentativas frustradas e tento dormir. Mas quem disse que consigo? Já deitado, lembro do outro vício. O cigarro. Levanto. Ando pela casa em direção à varanda como se estivesse andando sobre ovos para não acordar minha mãe. Ela não fecha a porta do quarto porque diz que tem medo de ladrões arrombarem a casa e levar tudo. Vê se pode? Ela só pode ser doida. Se um ladrão entrar na minha casa eu quero estar com a porta do meu quarto bem, mas muito bem, trancada. Será que minha mãe pensa que é a Mulher Maravilha? Mas como ia dizendo antes de ser pego pelas lembranças das peripécias de minha mãe... fumo meu cigarro e volto pro meu quarto. Deito e não durmo mais uma vez. Lembro que não consigo dormir sem beber água pra tirar o gosto do cigarro da boca. Tento me convencer que isso é TOQ, mas não tem jeito, é uma discussão que perco pra mim mesmo. Levanto, bebo água, volto ao quarto e tento, mais uma vez, dormir. Dormiria como um anjo se não fossem aquelas malditas muriçocas. Que raiva eu tenho de muriçocas. Se pudesse pensaria na morte da muriçoca e ela morreria. Isso sem falar no calor dos infernos de um quarto sem janelas nem ventilador. Tem dias que tenho vontade de chorar de tanta desgraça. A única coisa que quero é dormir. Isso é pecado, pelo amor de Deus? O que mais me entristece é que uma desgraça nunca vem sozinha. É igual a espermatozóide, quando solta um sai mais de um milhão. No outro dia antes das 08:00h minha sobrinha já acordou gritando por minha mãe que liga a televisão nas alturas pra assistir Madeline. Só pode ser praga! A peste da menina já acorda acordando todo mundo. Eu não agüento mais aquela voz chata de Madeline chamando pela Srtª Clavell. Me viro e reviro de um lado pro outro da cama mas não tem jeito. Logo meu pai, minha mãe, minha sobrinha já estão todos me gritando. Meu nome só pode ser doce na boca desse povo. Tomara que fiquem com os dentes tudo careados.
Mas voltando ao assunto de não ter o que fazer... Alías, antes de falar sobre a falta de algo pra fazer... Dá pra acreditar que eles, os meus pais, ainda tem a coragem de olhar na minha cara quando acordo e me perguntar por que estou de mau humor? Às vezes até acho que eles perguntam já pra me abusar, mas depois lembro que eles não são de brincadeira, eles realmente falam sério. Respiro fundo, conto até 5 e entro no banheiro pra lavar o rosto, é porque se eu contar até 10 vão falar que é pro tempo passar pra não dar tempo de fazer nada.
Bom, agora eu to com preguiça de terminar esse texto. Vou dormir porque a noite promete.

"Uma balada pra gente dançar..."

Atrasados. Deslumbrados. Ainda meio eufóricos dos cinco minutos quase corridos do táxi até o bloco. A música dava para ouvir de longe. O som da guitarra e as mãos dos foliões balançando de um lado para o outro faziam o coração bater ainda mais forte e os pelos de todo o corpo arrepiarem. Era uma mistura de agonia e alegria que tomava conta da minha cabeça e me deixava com vontade de sair correndo e gritando.
Comigo estavam minha irmã e Diego, um amigo, conhecido minutos atrás quando pediu para dividir o táxi com a gente. Ele era gaúcho. Estava sozinho no carnaval de Salvador e no bloco também. Foi nosso convidado e mascote. Era engraçado ver seu rosto deslumbrado ao sorrir para todos os lados num questionamento meio que constante: “Que porra é essa meu irmão?” Ele parecia não acreditar que também fazia parte daquela festa. Que estava no carnaval de Salvador, no Bloco Balada ao som do Jammil. Eu também não acreditava que estava ali. Mais parecia o DVD gravado pela banda no carnaval passado. Olhava em minha volta e via que era verdade. A voz de minha irmã me dizendo “A gente ta aqui!” me fazia perceber que o suor escorria pelo meu rosto e o feijão comido minutos atrás ainda estava quente em minha barriga.
Bebia alguns goles de abaíra, fumava mais um cigarro e pulava. Pulava como há muito tempo não pulava. Cantava. Gritava. Parecia entrar em transe. Os calos nos pés adquiridos nas noites anteriores pareciam não existir mais. As pernas mais pareciam próteses inteligentes que respondiam a impulsos nervosos. Os braços, outrora apertados e sufocados pela multidão que se espremiam em pulos compassados, erguiam-se e pareciam pedir para os céus que aquele momento fosse eterno. Que o carnaval não terminasse na quarta-feira de cinzas e aquele bloco não acabasse nas “gordinhas de Ondina”.
Em meio a tantas músicas e empurrões encontrava o rosto de minha irmã molhado por lágrimas e suor. O abraço posterior também me fez chorar ao saber que aquele sonho de muitos anos assistindo Band Folia estava se realizando. Os muitos “Eu ainda estarei lá!” agora já não faziam mais sentido. Eu estava lá. Eu estava no carnaval de Salvador no bloco do Jammil.
A garganta, já quase inflamada de tanta chuva e de tantos gritos, cantava todas as músicas e puxava todo o ar na tentativa de sufocar mais uma lágrima que queria escorrer. Em vão. O aperto, cotoveladas, empurrões de todos os lados e até uma lata de cerveja na testa não eram motivos de nervosismo ou arrependimento. Pelo contrário, faziam parte daquela folia e até acho que sem eles não teriam tanta graça, menos a lata de cerveja na testa, essa doeu bastante e até deixou um galo. Mas não queria saber. Eu estava ali. Eu estava feliz. Pensava na minha mãe, na minha sobrinha, queria que todas elas estivessem comigo ali, compartilhando aquela alegria. Que besteira, elas me tirariam dalí debaixo de tapas. Minha mãe acha que carnaval é festa do diabo (risos).
O tempo ia passando, a cachaça secando, o bloco acabando. Não me lembro de muita coisa que aconteceu. Devo mesmo ter entrado em transe. Apenas flashes me veem à mente. Consigo lembrar de uma certa figura que sempre encontrava exatamente ao lado do trio. Era uma mulher de, mais ou menos, 30 anos, meio gordinha, completamente bêbada. Ela era de Maceió e tinha se perdido dos amigos. Engana-se quem pensa que ela estava preocupada. Junto comigo, pulava e cantava desesperadamente aquelas músicas que demoraram a sair de minha cabeça nos próximos dias. Mas ela se perdeu na multidão, assim como o gaúcho que há muito já não via.
Tuca, o vocalista da banda, anunciava o fim do bloco e cantava uma música lenta (Agora que o verão passou/ Agora que o céu já mudou de cor/ Agora que o carnaval terminou...). Aos poucos ia sentindo minhas pernas e pés. Também sentia um certo incomodo de um dedo cortado em dois lugares e de uma canela sangrando. Não deu tempo. Tudo isso foi esquecido nos segundos posteriores quando o mesmo Tuca desceu no elevador lateral de seu trio e cantou a última canção daquela noite. O aperto mais uma vez se fez presente e o cadaço de meu tênis desamarrado e embaixo de tantos outros tênis me deixava preso ao chão. Pouco tempo. Empurrei o cadaço tênis adentro e pulei mais uma vez, cheguei a tocar na mão de Tuca quando ele deu tchau. “Tchau, I have to go now!”

O fim do "a gente"

Olhava os teus olhos vermelhos e lacrimejantes buscando um lugar qualquer, evitando pensar no momento. Eles eram sinceros, grandes, me davam medo. Eu sabia o que acontecia. Não acreditava, mas sabia. Passava minha mão, trêmula, antes descarada, sobre tua perna e desejava toda a sorte do mundo pra nós dois, precisaríamos.
Era a hora da despedida. Ficávamos por ali. O “a gente” passava a não existir mais. O “eu” e o “você” entravam, naquele momento, em nossas conversas. Corroíam e deixavam menos bonita e mais fria cada frase que saia de nossa boca em direção ao outro. Seríamos amigos, agora? Não sei quando, ou se vou me acostumar a te chamar pelo nome. Tínhamos nossos próprios apelidos já gravados em cada inicio ou término de frases.
O abraço frouxo, aquele último abraço, me abria os olhos pro quanto difícil seriam os próximos dias. Chegar em casa. Olhar minha cama. Dormir nela. Ela agora está maior, mais fria e menos divertida. Virar e rolar de um lado para o outro não parece diminuí-la ou deixá-la mais minha. Mas o “a gente” não existe mais e terei que me acostumar com o “eu”.
Encontro nossos amigos na rua. Me perguntam por você. Perguntam por nós dois (risos sem graça). A resposta parece causar grande surpresa, mas não apenas neles. Eu também custo a acreditar. Ameaço pegar o telefone. Ligar pra você. Pedir pra voltarmos. Mas não, já não somos mais os mesmos. Já não damos mais certo.
Não pensa que tudo foi ilusão, mas agora vai. O “a gente” já não existe mais. Você vai se sair bem. Também tentarei ficar bem (mais risos sem graça).

Quando a janela azul fechar

Sem saber o que falar, tento buscar no silêncio palavras de consolo que possam esconder a saudade e a vontade de ter teu carinho. A noite, embriagada de tanta noite, me faz procurar nas nuvens figuras que possam fazer o tempo passar mais depressa. A cor rosada do céu de nenhum brilho parece esfriar meu corpo que se encolhe imaginando tuas mãos brincando com meus cabelos enquanto te conto piadas bobas te arrancando sorrisos que divertem o escuro.
Lembro de tuas unhas e da sujeira que mantinha debaixo delas. Lembro de teus dedos delicados e poderia até desenhar as tuas digitais. Lembro que os dias passam e o verão se aproxima. No verão as pessoas ficam mais excitantes. Seus sexos suam mais liberando odores que em mim ativam o falo. O suor dos corpos é mais seboso. Os corpos são mais sebosos. Mas o teu não. O teu parece ter sempre o frescor de noites frias de outono. A tua pele macia, sempre tão fria, me arranca cala frios cada vez que me diz safadezas no ouvido. Que tesão meu bem.
A imaginação me pune e percebo que a janela azul permanece aberta. Uma taça de vinho me consola. Esse gosto seco de vida invade meu corpo numa contínua tentativa de tentar me drogar. A fumaça do cigarro esquecida ao lado parece dissipar as nuvens rosadas tentando me mostrar que os pontinhos brilhantes continuam lá. A noite persiste em existir. O tempo. A distância.
Percebo que tudo continuará igual. Que você ainda está aí. Você está bem meu bem? Será que está com outro alguém? Talvez esteja pensando em mim também. Ou, talvez, esteja apenas dormindo. Eu continuo aqui. O frio também.

Assim como Maiane

Hoje pela terceira vez me sinto um adolescente da década de 90. Trancado no quarto com discos de vinil pendurados na parede, acendo um cigarro escondido para aliviar a euforia depois de ter me masturbado enquanto escutava Renato Russo cantar as misérias do mundo. Escrevo em meu caderno como se fosse um diário, já que não tenho com quem conversar. Hoje, todos estão chatos. O celular não toca.
Não sei bem o que escrever aqui. Não me sinto muito bem. Ele, o dia, não começou da maneira que parecia começar. Fui o segundo a chegar à sala de aula, atrás apenas de Maiane. Mas é impossível chegar antes de Maiane. Maiane é sempre a primeira a chegar. Para falar a verdade, nunca ninguém chegou antes de Maiane. Nem mesmo os professores chegam antes de Maiane. Maiane é realmente demais! Porque estou falando de Maiane mesmo? Será que estou apaixonado por Maiane? Nãaaao! Ah! Lembrei. Por ser o segundo a chegar à sala, depois de Maiane, ganhei um presente do professor. Sentei até na frente, prestei atenção no que ele dizia e até participei da aula. Sentia-me vitorioso. Era como se estivesse voltando à época de aluno exemplar, assim como Maiane.
O celular tocou desviando a atenção de todos em minha direção. Olhei para ver quem era ao mesmo tempo em que levantava pra sair da sala, com as bochechas e orelhas vermelhas por ter atrapalhado a aula, por ter atrapalhado Maiane.
O nome do parasita que aparecia na tela do celular me roubava um sorriso e sua voz fazia-me acalmar as bochechas e esfriar as orelhas.
Logo tudo mudava e o que era sorriso virava decepção. A alegria dava lugar ao incômodo. A ressaca das várias cervejas do dia anterior parecia chegar cm toda força.
Voltava pra sala, mas ela não era mais a mesma coisa, apesar de Maiane ainda estar nela e acompanhar com a cabeça os movimentos do professor. Não consegui ficar por muito tempo.
Minha casa parecia mais ser mais acolhedora e menos cruel. Só queria dormir, dormir, dormir e acordar pra dormir novamente.
As duas tentativas de falar com o parasita não me deram nenhuma resposta. Agora Astrude chegou. Agora eu vou beber novamente. Encher a cara mesmo, como se estivesse dando força à minha dor. Talvez até me torne um parasita. Talvez até encontre Maiane.

Cachoeira, 24 de setembro de 2008

A fumaça escura que deixa meus dedos fedorentos e amarelados penetra por minha boca até meus pulmões e me faz prender a respiração por alguns segundos proporciona-me tranqüilidade e bem-estar.
Essa onda contra o tabagismo pregada pelos mais diferenciados meios de comunicação me exclui cada vez mais dessa sociedade hipócrita e decadente que impõe àqueles atrasados mentais o que é bom ou ruim para suas próprias vidas.
Quem disse que quero parar de fumar? Quem disse que devo me privar de me sentir bem por ser vítima de um desprezível empinar de um nariz alheio ou pelo olhar de repúdio de um idiota qualquer.
Fique sabendo que fumar não é apenas um gesto banal que realizamos. É muito mais que isso. Um cigarro é o completar a satisfação da barriga cheia, é o deixar pingar a última gota de esperma depois de uma transa que durou horas, é o sentir-se bem numa tarde de domingo assistindo Faustão mesmo sabendo que temos uma prova na segunda pela manhã.
Meu pulmão não é mais o mesmo, e daí? Passamos toda a nossa vida inalando poluentes que nos faz tão mal quanto o cigarro.
O cigarro é responsável por inúmeros cânceres e mortes, e daí? As balas perdidas e os acidentes de trânsito matam mais que o cigarro.
Por que então colocar a culpa em um simples bastãozinho de papel e palha que faz qualquer alegria mais alegre e qualquer depressão mais teatral? Não vejo razão para me censurar.
E mesmo depois de 20 anos, se algum dia um médico me disser que tenho poucos meses de vida, a primeira coisa que farei será fumar um cigarro. Já que fui mais um idiota que acreditei na televisão e suas propagandas antitabagistas e quis satisfazer um capricho seu.
Beijos Mãe. Espero que esteja mais feliz agora, mesmo sabendo que meus prazeres não estão mais completos.

Tesão, ciúme e sono

A dor de cabeça era tremenda. Tinha começado a beber, sozinho,por volta das 11h00 e já passavam das 23h00, agora acompanhado por amigos que iam e vinham em movimentos constantes que me deixavam um tanto tonto. Minha boca fedia aos cigarros das duas carteiras fumadas desde a manhã. Minha língua, áspera e amarelada pelos vários copos de cerveja, procurava entre os dentes os restos de carne de um hamburger mal feito da barraquinha da esquina. Meus olhos, quase fechados de tanta boemia, te encontravam em meio a multidão e me faziam sentir o cheiro do teu sexo. Te comia com eles, menos verdes e mais famintos que antes.
O som não era dos melhores, e contribuía para tornar aquele local menos agradável aos meus instintos. A tua voz me incomodava. Queria apenas te ver, te ter, sem nenhum pudor, sem nenhum pavor. Difícil. 

Arrodeado por teus amigos, quase desconhecidos, parecia ser estranho ao teu ser. Era como se tudo que tínhamos vivido até ali tivesse escorrido como as gotas na superfície lisa do meu copo de cerveja, que a esta altura já estava quente. Um gole, outro e outro...
O som já não existia mais. No pequeno palco à nossa frente, alguns homens vestidos de vermelho afinavam os instrumentos musicais da banda que estava por vir. Sentindo o teu desprezo e não sentindo o meu corpo, levantei-me em passos falsos e raivosos tentando caminhar em direção ao palco. Triste.
A banda que começava a se apresentar era uma velha conhecida. As batidas fortes do tambor e percussão deixavam um eco em minha mente e me faziam perceber a minha quase embriaguez. Você chegava e em pé ao meu lado me sorria um sorriso apaixonado e me prometia, ao pé do ouvido, uma noite de sexo inesquecivel. Excitante. Já te sentia de volta pra mim. Aos poucos, conversava comigo e até fazia careta. Sorria.
As batidas africanas me faziam dançar em homenagem ao meu orixá. Os pingos da chuva molhavam meu rosto e me faziam esquecer da dor de cabeça que momentos atrás me atormentava. Faziam também que fosses procurar um abrigo. Me chamastes tantas e tantas vezes para tomar banho de chuva e agora corres? Molhado. Mas eu só queria o teu sexo.
Te olhava em baixo daquela cobertura, se divertia à distância. Eu também. Aos poucos, voltava a minha lucidez. A água cumpria este papel e também me deixava com frio. Sumiste.
Sentado num banco de uma pracinha qualquer, esperava por tua volta. Minha boca tremia e minha pele se arrepiava a cada tragada daquele cigarro molhado pelas gotas que escorriam das folhas da árvore ao meu lado. Com a espera, voltava a pensar nas safadezes que faria contigo naquela noite. Você chegou, fomos pra minha casa. Você levou seus amigos. Risos.
Eu, deitado em minha cama, limpo e excitado, vejo você entrar porta a dentro com tesão no olhar. Deita ao meu lado. Me diz que estou estranho. Ganho um beijo no rosto, um "eu te amo" e um "boa noite". Me abraça e dorme.

Os seis sentidos para ser gente

Sexo. Ainda sinto o cheiro amargo do prazer abafado por lábios famintos pelo gosto que me faz transpirar. Por uma brecha da janela encostada posso ver vestígios de uma noite sem lua refletidos em teu olhar sedento de prazer enquanto abraça meu corpo molhado que libera o odor de um perfume vagabundo de uma marca qualquer.
Mordes os lábios e acerta-me a cara com a mão, antes delicada, combinada a uma sincronia de movimentos perfeitos. O barulho do choque entre os corpos ainda ressoam quando encontro pedaços de teu corpo sobre o lençol verde de uma cama de solteiro apertada e sem luxo que não nos dá espaço para desgrudarmos um do outro. Juntos, presos, apenas um, dois. Minhas mãos percorrendo seu corpo liso e suado parecem buscar algo inalcançável para simples mãos. Seguro o teu sexo e te faço soltar gemidos que cheiram a pecado.
Os movimentos aumentam. O prazer também. De olhos fechados, sem nenhuma dor, ainda posso sentir o gosto do suor que escorre pelo meu rosto me fazendo suspirar de prazer enquanto sussurra anúncios de gozo em meu ouvido. O cheiro aumenta. O suor dos corpos se torna ainda mais perceptível. Minhas mãos já percorrem o meu corpo em movimentos leves e descarados. Os meus olhos serrados me deixam sentir o gosto do prazer. Minha boca suga a tua pele como se buscasse por sangue quando não consegue mais ficar
em silêncio. Gozei.
Entã
o vem o abraço. O beijo desconcertante. Uma camiseta usada numa festa qualquer. Uma água fria de um banheiro sem chaves. Um outro abraço. Um cigarro na janela do quarto, agora aberta. O sono. O abraço. O sono. O beijo. O sono. O sono. O sono. O sono. Acordo.
Olho teu rosto de cansaço de uma noite mal dormida. Escorrego a mão pelo teu corpo. Incomodo-te com meu olhar de fome. Digo-te besteiras no ouvido e então... sexo.

Andando em rastro de corno

Poderia dizer que este foi um dia qualquer? Sim. Assim eu pensava quando saí de casa por volta das 7h30min da manhã em direção à Cruz das Almas para cobrir uma provável invasão do MST ao campus da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia).
Ainda com o rosto marcado pelo lençol de uma noite mal dormida, saí de casa com um cigarro na mão tentando disfarçar a fome que sentia. Com quase nenhum dinheiro no bolso atravessei a ponte com um andar cambaleante que me levava até o ponto dos transportes alternativos onde um colega me esperava, ou pelo menos deveria estar. Após um longa espera de cinco minutos, tempo suficiente para fumar mais um cigarro e diminuir a apreensão, vejo João, o amigo esperado, descer de um carro que o trazia de Feira de Santana. Até que enfim.
Subimos no carro, se não me engano uma Besta, sem suspeitar que aquele também pudesse ser meu nome ao longo do dia, e seguimos muito entusiasmados para a cidade vizinha cujo nome lembra crucificação. Coincidência? Ainda no carro, escutávamos a rádio que não parava de falar sobre o assassinato de uma criança burguesinha que tinha sido jogada pela janela do, se não me engano, sexto andar de um edifício em São Paulo. Já estava cansado de tanta besteira falada pelo radialista que não se considerava sensacionalista após bater, insistentemente, o mesmo assunto por mais de 30 minutos, quando chegamos até a dita cidade.
Perdidos, sem saber como chegar ao local do “evento” onde captaríamos depoimentos e faríamos algumas fotos, pedimos à cobradora da Besta que nos deixasse no local mais próximo ao campus da UFRB. Achando-nos com cara de completos idiotas, e eu ainda tenho minhas dúvidas quanto a isso, ela disse que poderia nos deixar dentro do Campus, em troca, pagaríamos o dobro do que tínhamos pagado até então.
Não sei por qual motivo resolvemos ficar por ali mesmo. Descemos e seguimos a orientação do motorista. Segundo ele, teríamos que atravessar uma pequena praça e seguirmos, em suas palavras, “toda a vida”.
Atravessamos a pracinha e caminhamos por uma rua que parecia não ter fim. Já cansados, sob um sol escaldante e um tênis que parecia incomodar, começávamos a pensar que o tiozinho do carro havia nos enganado. Parei para pedir informações a uma possível evangélica que lia a bíblia enquanto andava. Quando percebi seu olhar de repúdio para minha mão que segurava o terceiro cigarro do dia, pensei: “Agora fudeu. Ela vai falar a mesma coisa que o miserável do motorista”. Pensei certo.
Como não tínhamos mais nenhuma escolha seguimos em frente. Após 20 minutos cronometrados no relógio do celular chegamos até uma rua que dava acesso ao campus da universidade. Ao ver o portão de acesso, pedi desculpas às mães do motorista e da menina evangélica.
Ao lembrar da longa distância entre o portão central e o prédio da reitoria pensava no tênis que agora já provocava um pequeno ferimento no pé direito e no sol que parecia ainda mais forte que minutos atrás. Não tinha outro jeito. O maldito espírito jornalístico, ou a necessidade por uma nota melhor na disciplina, nos deixava dispostos a enfrentar mais esta caminhada. Primeiro asfalto, depois um pequeno atalho por dentro do mato. Enfim chegamos.
Para nossa surpresa não tinha porra de movimento nenhum. Não tinha nenhuma barraquinha, nenhuma enxada e muito menos gente que protestasse por um pedaço de terra dos 1.600 hectares pertencentes à universidade. Com um olhar de raiva que ardia com os pingos de suor que escorriam pelo meu rosto falei: “A pauta caiu”.
Decidimos então pedir um carro à Universidade que pudesse nos levar para um bairro localizado dentro dos limites do campus. Após subir e descer escadas estava sentado preenchendo um ofício de liberação do carro da instituição quando entra uma morena de corpo esbelto e olhar aflito alarmando a todos que os sem terra haviam chegado. Olhei para João enquanto ele falava sem hesitar: “Beleza, a pauta não caiu”. No mesmo momento uma outra funcionária da instituição rebateu a informação dizendo: “fecha tudo”.
Corremos para o saguão da reitoria com gravadores e máquinas fotográficas na mão em busca do melhor depoimento e da melhor fotografia. Se não conseguíssemos, nosso querido professor, a quem chamamos de General Facista, nos matava. Colhemos vários depoimentos dos manifestantes que mais pareciam refugiados do asilo municipal e tiramos ótimas fotos. Precisávamos agora de um parecer da Universidade que não tinha muito a informar, a não ser um ex-diretor do nosso campus de Cachoeira que participava de uma reunião com representantes dos manifestantes e só poderia nos atender quando terminasse a longa reunião.
2h30min depois, sentados sob o mesmo sol e perdendo as contas dos cigarros fumados já tínhamos garantido nossa carona de volta para Cachoeira. Um professor que iria buscar o carro na oficina, fazer algumas compras e pegar um óculos numa ótica passaria em instantes para nos buscar. Beleza
Distraídos com os carros que vinham pela pista asfaltada que dava acesso à reitoria na esperança de que fosse nossa carona, esquecemos do ex-diretor que a essa altura já estava longe do campus.
O sol roubava nossa sombra que tanto nos fez feliz. Já havíamos perdido as contas dos carros que surgiam no horizonte e eram intitulados de “agora é ele”. Também já não tínhamos mais quem entrevistar. Definitivamente o General ia nos matar.
João ainda se distraia com as belas pernas das estudantes de agronomia. Interessei-me por uma em especial. Usava calça jeans e uma camiseta que deixava sua bela barriga à mostra. À mostra também estava sua tatuagem, um pescador que escondia seu anzol dentro da calça da bela morena. Instigante.
João começava a falar coisas sem nexo, eu também. Acho que a fome, a sede e o sol já estava nos deixando meio loucos. Depois de um espaço de tempo em silêncio, João faz o comentário mais verídico daquele dia: “Agente só pode estar andando em rastro de corno.” Aquela frase boba me deixou rindo por minutos sem parar. As lágrimas rolavam, não sei se de tanto rir, de raiva, de fome ou de uma constatação de que ele tinha razão.
Sentados numa escada, dessa vez em meio a sombra que dava idéia de noite, e víamos as pessoas andando para um lado e para o outro que já nos olhavam com certa pena.
Resolvemos desistir da carona e seguir novamente a pé até o centro, já que nenhum dos carros que pedimos carona parou. Não agüentava mais o ferimento provocado pelo tênis que já fazia escorrer um fio de sangue manchando a minha meia branca.
A confirmação de que estava realmente andando em rastro de corno veio quando percebi que estava perdido na cidade das almas penadas. Sem querer deixar o fiel companheiro de rastro assustado fingia não estar preocupado e saber exatamente para onde estava indo. Por um momento acreditei ter encontrado o caminho certo. Lembrei do muro que a minha cabeça fragilizada pelo calor achava ser o mesmo onde parei a evangélica a quem pedi informações, segui rua à frente. Fomos parar numa mata no meio da cidade. Que diabos de cidade tem isso? A cidade do Cruz Credo.
Resolvemos andar em paralelo à mata, lembrávamos de alguma coisa do tipo quando chegamos na cidade. Conseguimos.
“Ta no inferno, abraça o capeta”. Àquele momento parecia nosso lema de vida. Paramos num pequeno bar e brindamos à retomada de percurso. A maresia batia, a carteira de cigarros comprada na manhã do mesmo dia extinguia-se. Tava na hora de ir para o ponto pegar mais uma Besta.
No caminho, achamos uma oficina mecânica com o carro do professor. Saímos correndo em direção à oficina gritando repetidamente: “Agora é ele. Agora é ele.” Realmente era, mas o professor não estava mais lá. O jeito foi voltar para a Besta. Ainda conseguimos a última que saia para Cachoeira naquele dia. Ufa!
Apertados, parando em cada esquina, com um barulho de carro velho, fedor de fumaça, demais passageiros que falavam merda e uma porta que mal fechava, estávamos indo pra casa. Uma vida assim, só mesmo quem anda em rastro de corno. Espero não estar andando para trás.

Nem sempre um dia qualquer

Hoje o dia começou da mesma forma que começou nos inúmeros finais de semana de minha vida, com festa. Esta, porém, foi especial. Tratava-se do aniversário de Arianne, uma amiga da faculdade e dos bares da redondeza.
O estilo rústico e requintado do ambiente parecia transportar todos os presentes para uma outra dimensão onde as pessoas são mais calientes, as músicas mais dançantes, a comida mais picante e a cerveja mais gelada, sem esquecer, claro, dos garçons que ao contrário de tantos outros, não deixava meu copo seco.
Era exatamente 00h01min do domingo quando levantamos e cantamos um entusiasmado “parabéns” em ritmo de samba. Não poderia esquecer, entretanto, de uma outra música cantada por um coro de, mais ou menos, 90 pessoas: “Com quem será? Com quem será? Com quem será que Arianne vai casar?”.
Olhei para o lado e avistei a aniversariante num demorado e afável abraço com sua irmã. Lembrei do longo tempo que via minha família e contei, mentalmente, os dias que faltavam para revê-la. A saudade me fez acender um cigarro e tomar um gole da cerveja que acabara de chegar, gelada.
À minha volta estavam Sarah, fiel companheira, Andréia, que teria grande importância no decorrer do dia, Larissa, uma amiga que mora comigo e que se auto-intitula minha esposa e Alana, a irmã abraçada. Os minutos iam passando rapidamente e logo me chamaram para levantar da cadeira e cair no samba, sambei.
O suor escorria e já não existia mais nenhum tipo de protocolo ou “educação”. Uma garçonete, morena, bonita, parecia ter me descoberto entre a multidão por algum motivo. Acho que se cansou de encher meu copo. Nesse momento já me entregava as garrafas para que eu mesmo fizesse isso, agradeci.
No meio da festa já não percebíamos mais a presença da aniversariante. Só depois fiquei sabendo que tinha ido dançar arrocha num bairro da periferia da cidade. Enquanto isso, sambei, cantei, conversei, abracei, beijei.
Por volta das 03h30min da manhã fui expulso da festa por uma amiga que ficou responsável pelo evento após o sumiço de Arianne. Com gritos de “sai” ela mandava que me levantasse da cadeira. Saímos e fomos à direção de um outro bar da cidade. Sentei por alguns minutos, conversei, abracei, e beijei e fui embora.
Durante o percurso paramos na ponte para esperar uma colega que nos acompanhava. Escutávamos vozes, mas não tínhamos nenhuma sugestão do que pudesse ser. Ou melhor, até tínhamos. Após alguns minutos chegou a esperada amiga e continuamos o percurso até nossas casas.
O banho quente e demorado tirou-me todo o sono. Fui para a cama e “assisti televisão” até as 6h30min da manhã, dormi. Exatamente três horas depois fui acordado pelo barulho de uma caminhada que parecia ter algum fim social e assustei-me com o ambiente do quarto desconhecido. A partir desse momento o tempo pareceu estar cronometrado no resto do dia.
11h30min. Comia uma lasanha muito ruim feita por uma amiga. Quando ela me perguntou uma nota e pediu que fosse sincero, não fui. Entretanto esta foi a única refeição de todo o dia. Despedi-me de todos, inclusive da aniversariante desaparecida e fui embora, dessa vez para minha casa.
Tomei banho e fiz a barba que já começava a incomodar. Tinha sono, mas não tinha vontade de dormir. Afinal era domingo.
Coloquei uma roupa qualquer e fui pra casa de Sarah, a fiel companheira. Chegando lá a encontrei dormindo abraçada à boneca. Sarah usava uma camisola preta, que a deixava quase despida me fazendo perceber seu belo par de pernas. Andréia, deitada na cama ao lado passou mal durante toda a noite e continuava com fortes dores no estômago. Ela tinha roubado um prato de farofa na cozinha do bar que juntava as sobras da festa. O que ela não sabia, e a revelei naquele momento de dor, era que devido à falta de cinzeiros na mesa, estava usando o prato para depositar as cinzas do meu cigarro.
15h45min. Dava socos na porta do banheiro a fim de apressar o banho de Sarah enquanto convencia Andréia de que não era o culpado pelas fortes dores em seu estômago.
Após um longo tempo de espera pude, enfim, sair em direção ao bar. Em companhia das colegas da última madrugada, ia em direção ao bar que aconteceu o aniversário. Sobraram oito cervejas, e tínhamos que cortar a ressaca. Bebemos um pouco, conhecemos os presentes e comemos o bolo. Decidimos ir para outro bar. Mal sabia eu que a boêmia me esperava.
16h20min. Sentamos à mesa e o garçom logo nos atendeu. Mais cerveja. Chovia. Os pingos que molhavam meu rosto pareciam me tirar a vontade de beber, pensava em ir para casa, ilusão.
A música alta que saia do carro já nos fazia dançar e beber mais que o esperado. Também comíamos. Alguns colegas, até então desconhecidos faziam um churrasco ao lado de nossa mesa.
23h30min. A cerveja já não parecia tão gelada. O seu cheiro não era dos melhores. Após provocações feitas pela aniversariante desaparecida tomei toda a cerveja que já nem espumava em meu copo, vomitei.
Para a minha surpresa fiquei até melhor que antes. Mais uma vez chamei Juninho, o garçom, e pedi para que me trouxesse uma outra cerveja. Tinha que tirar da boca o gosto ruim do vômito, bebi mais uma vez. Esta, por sinal, estava muito boa.
A mau lado, uma amiga me chamava para jogar sinuca, e, logo após levá-la pra casa. Fomos a procura do sinuca, não encontramos. Decidimos então...
00h00min.

À espera num certo bar

tum tum tum tum tum tum tum tum tum.
Ela se aproxima. Não consigo manter o rítimo tranquilo de minhas pulsações. Um demorado aperto de mão , misturando o suor de longos minutos de espera pra te achar entre a multidão, à distância. 
Um beijo desconcertante no rosto. Ela me pede retorno levando, vagarosamente, seu rosto até minha boca. Discreto e desconcertado, encosto meus lábios em tua face pensando se tenho mesmo que fazer aquilo.
Senta-se ao meu lado, encosta sua perna na minha e fala bobagens intercaladas por comentários que mais parecem curiosidades de figurinhas de big-big. Seu jeito mole de falar e seus olhares penetrantes me envergonha. Tento não encarar por muito tempo. Tenho medo de pensar o que realmente acontece, embora nada aconteça, sempre. 
As pessoas em nossa volta conversam, são legais. A cerveja esquenta no copo.
Em certos momentos tenho a impressão de que também me olhas de uma outra forma, disfarçadamente. Aliás, será que olhas realmente para mim? Não seria, tudo isso, fantasia de meus desejos?
Rapidamente o tempo passa, você se vai. Vai, tens de ir embora. 
tum tum tum tum tum tum quando se despede de mim. Me beija novamente a face, me diz mais um monte de bobagens e vai embora, mais uma vez. Acompanho teu caminhar cambaleante. Então olhas para trás. Será que me chamas? Que pensou em me dizer um "boa noite"? Ou que apenas olhou para trás, sem nem ao menos me ver? Então some na esquina aquela figura que já era um vulto, fugindo do meu alcance. 
Cheiro minha mão que ainda tem seu perfume misturado ao meu suor. Pago a conta, acendo um cigarro e sigo os teus passos, num sentido contrário, calmo. tum... tum... tum...